Saúde
Fapesp: tratamento reduz risco de inflamações e doenças em adolescentes com obesidade
Pesquisa da Unifesp envolveu 22 adolescentes com obesidade
Abordagem interdisciplinar testada na Unifesp combina tratamento clínico, nutricional, psicológico e atividade física
Em relação ao apoio psicológico, o modelo intensivo preconizava sessões em grupo e individuais – cada modalidade uma vez por semana. Já no semi-intensivo foram feitos apenas encontros quinzenais em grupo. O atendimento médico individual mensal foi mantido.
Segundo a pesquisadora, mesmo com um programa mais brando houve uma melhora significativa em relação a dois hormônios secretados pelo tecido adiposo: a leptina (fator-chave no controle do equilíbrio energético e de processos inflamatórios) e a adiponectina (que tem ação anti-inflamatória e protege a função pancreática).
“Adolescentes com obesidade grave geralmente apresentam estados de hiperleptinemia (produção excessiva de leptina) e, ao mesmo tempo, redução na secreção de adiponectina. Essa combinação acentua o estado pró-inflamatório e o risco cardiometabólico”, explica Dâmaso.
A terapia semi-intensiva conseguiu reverter esse quadro. A prevalência de adolescentes com hiperleptinemia caiu de 77,3% para 36,4%. Em um estudo anterior do grupo, em que foi usado o modelo intensivo de tratamento, a leptina dos adolescentes com obesidade havia passado de 75% para 55%.
“Em relação à hiperleptinemia, portanto, os resultados foram até melhores no modelo semi-intensivo”, afirma Dâmaso.
Redução do risco
A obesidade tem sido caracterizada por especialistas como uma doença inflamatória crônica. Quando tem início na adolescência o impacto negativo ao longo da vida é ainda maior, pois a inflamação constante atua por mais tempo no organismo.
No artigo, os pesquisadores ressaltam que uma das implicações mais preocupantes da obesidade na adolescência é a associação entre o excesso de tecido adiposo e o aumento no risco de desenvolvimento de doenças metabólicas e cardiovasculares durante a adolescência e na idade adulta, o que piora substancialmente a qualidade de vida dos indivíduos.
“Quanto mais tempo uma pessoa permanecer com a obesidade grave durante a sua vida, maior é a chance de morte prematura. O adolescente com obesidade extrema está com toda uma máquina alterada e uma das principais ferramentas para reverter esse quadro, descobrimos, é colocar a leptina para funcionar de novo”, sublinha Dâmaso à Agência Fapesp.
E a pesquisadora acrescenta: “É preciso desinflamar todo o sistema, reduzir estados de hiperleptinemia, o colesterol, melhorar a pressão arterial, diminuir a resistência insulínica para evitar o diabetes e reduzir gordura visceral, além de outros biomarcadores de inflamação, evitando-se o risco cardiometabólico. O controle da obesidade em adolescentes pode ainda melhorar a apneia do sono e reduzir transtornos do comportamento, como ansiedade, depressão e bulimia, como observamos previamente em outros estudos”.
Trabalhos anteriores mostraram que uma alta concentração de leptina na obesidade está associada ao aumento dos riscos cardiovasculares, distúrbios comportamentais relacionados à ingestão de alimentos, inflamação e alterações na regulação neuroendócrina do balanço energético, com consequente prejuízo à perda de peso corporal.
“Entre os adolescentes que participaram do estudo, 77,3% apresentavam hiperlipidemia (altos níveis de gordura no sangue). Portanto, eles já estavam com alterações metabólicas e pró-inflamatórias instaladas. Conseguimos revertê-las e trazer o balanço energético para uma condição de normalidade”, conta Deborah Cristina Landi Masquio, pesquisadora do Grupo de Estudos da Obesidade (GEO) da Unifesp. O trabalho é fruto de sua tese de doutorado.
“O equilíbrio entre os níveis de leptina e de adiponectina reduz o processo inflamatório característico da obesidade e diminui o risco de várias doenças relacionadas. Tudo isso está vinculado à redução da resistência insulínica. No estudo, 81,8% dos adolescentes tinham resistência à insulina e, no fim do tratamento, esse índice caiu para 50%”, comemora Masquio.
Os resultados mostraram ainda a redução de dois biomarcadores de risco cardiovascular importantes (PAI-1 e ICAM-1). O PAI-1 é considerado um importante inibidor do sistema fibrinolítico (que regula a coagulação do sangue), portanto, sua concentração elevada pode levar a um estado pró-trombótico que contribui para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares. Já o biomarcador ICAM-1 é uma glicoproteína associada ao processo de aterosclerose.
“Em adolescentes com diabetes, os níveis de PAI-1 estão correlacionados com aumento de glicemia, triglicerídeos, colesterol total e espessura da veia carótida”, diz Dâmaso.
A intervenção interdisciplinar promoveu ainda redução da circunferência da cintura e da gordura visceral dos adolescentes. “Esse é um desfecho importante, pois a adiposidade abdominal está intimamente relacionada às comorbidades da obesidade, como alterações metabólicas e inflamação”, afirma Dâmaso.