OBESIDADE

Saúde

Entenda por que a obesidade vai além de “comer muito e se exercitar pouco”

Ideia de que a condição se resume apenas ao estilo de vida dificulta a busca por ajuda médica e a elaboração de políticas públicas, apontam especialistas, que defendem um “rebranding” da doença

 

Por Victória Ribeiro, da Agência Einstein

A obesidade é uma doença crônica que afeta mais de 1 bilhão de pessoas, segundo levantamento global divulgado em fevereiro na revista The Lancet. Mas ainda é senso comum a ideia de que a condição está relacionada simplesmente aos hábitos de comer muito e se exercitar pouco.

Esse pensamento simplista — presente em diversos setores da sociedade, inclusive na saúde — tem sido apontado por especialistas como prejudicial para a compreensão da complexidade metabólica da doença. Além disso, influencia negativamente as decisões das autoridades de saúde, dificulta a busca por ajuda médica e perpetua estigmas e preconceitos.

No Brasil, a obesidade afeta um a cada quatro adultos, segundo o Ministério da Saúde. Com a atual taxa de crescimento, estima-se que quase metade (48%) da população brasileira será diagnosticada com a doença até 2044, de acordo análise da Fiocruz Brasília apresentada em junho.

Apesar dos números alarmantes, o estudo aprofundado da obesidade é recente — começou há menos de uma década. Contudo, mesmo diante de evidências cada vez maiores de que essa é uma condição multifatorial, ainda impera a visão de que é algo fácil de ser tratado ou evitado.

“Rebranding” da obesidade

Daí porque profissionais da saúde têm defendido um rebranding da obesidade. O termo, emprestado do marketing, significa pensar em uma nova “cara” para uma marca — alterando elementos visuais e de posicionamento, por exemplo.

“Discutir o rebranding da obesidade é, em última análise, discutir sobre pessoas. Muitos veem a doença como simples falta de força de vontade, excesso de alimentação e falta de exercício. Isso não apenas é incorreto, como também é um discurso ultrapassado”, afirmou o médico nutrólogo Guilherme Giorelli, professor da pós-graduação de nutrologia do Hospital Israelita Albert Einstein, durante apresentação no 9º Fórum Latino-Americano de Qualidade e Segurança na Saúde, realizado em São Paulo de 9 a 11 de julho.

Para Giorelli, o fato de essas discussões serem recentes, de certa forma, contribui para a falta de uma identidade clara e definida para a obesidade ainda hoje. Isso significa que, mesmo tendo critérios para ser considerada uma doença, como patofisiologia e mecanismos etiológicos bem definidos, na maioria das vezes, ela é reconhecida apenas como um “fator de risco” devido a sua possibilidade de desencadear outros tipos de doenças, como hipertensão e diabetes.

A contradição mora no fato de que o mesmo não acontece com outros problemas de saúde, como o próprio diabetes e a depressão, que recebem a definição de “doença” a partir dos mesmos critérios estabelecidos. De acordo com uma pesquisa de 2019 do National Institutes of Health (NIH), dos Estados Unidos, 32% das pessoas não consideram a obesidade como uma doença crônica. Entre os profissionais de saúde, essa porcentagem é de 12%.

Em entrevista à Agência Einstein, Giorelli destaca que essa ausência de uma identidade bem definida, além de ressaltar a necessidade de estratégias eficazes de comunicação, colabora para que as complexidades biológicas da doença sejam facilmente ignoradas e que conceitos equivocados se perpetuem. “Aquela frase ‘você é o que você come’ é um grande erro científico, porque se duas pessoas comerem a mesma coisa ou fizerem o mesmo exercício o resultado nunca vai ser idêntico”, diz o nutrólogo do Einstein.

Para o endocrinologista Bruno Halpern, presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso), é essencial compreender que as causas da obesidade são diversas. Embora o excesso de calorias aumente o risco populacional de obesidade, estima-se que 70% da doença corresponda a uma carga genética, o que torna estratégias que se baseiam apenas em “coma menos, mova-se mais” — embora importantes para qualquer pessoa — ineficazes para alguns diagnosticados com a condição.

Isso significa que, assim como a doença se manifesta de maneiras variadas, o tratamento também precisa levar em consideração as individualidades de cada um. Isso pode incluir, além de uma boa dieta e exercícios, intervenções como medicamentos e até mesmo cirurgias.

Outro ponto é que muitos mecanismos relacionados à obesidade acontecem no cérebro, influenciando o consumo alimentar. Por exemplo: o hipotálamo, região cerebral que controla a fome, a sede, a temperatura corporal e a respiração, regula o peso corporal de forma a defender o peso máximo alcançado. “Ou seja, quando uma pessoa come menos calorias ou aumenta a atividade física, o gasto metabólico diminui e a fome aumenta em uma tentativa do corpo para retornar ao peso ‘original’”, explica Halpern.

Além disso, fatores externos, como medicamentos, disruptores endócrinos, poluição atmosférica e sono ruim, também podem contribuir para o desbalanço energético que leva à obesidade.

Da culpabilização à ausência de políticas públicas

Um dos grandes riscos da visão simplista de que a obesidade é resultado apenas de “comer muito e se exercitar pouco” é que as pessoas com essa condição se culpam, como se nunca estivessem fazendo o suficiente, e podem demorar a buscar ajuda. “As pessoas geralmente pensam que é simples: ‘basta querer, comer menos e se exercitar mais’. Isso as faz acreditar que não precisam de ajuda profissional e que podem resolver tudo sozinhas”, observa Halpern. “Se procuram um profissional que reforça essa ideia, acabam acreditando que é fácil. Quando não conseguem alcançar o que pretendiam, sentem que há algo errado com elas.”

Hoje, há de se considerar também a forte influência de redes sociais e influenciadores que, ao basear seus discursos em um conhecimento raso sobre a doença, contribuem para que os pacientes se coloquem nesse lugar de culpados. “A pessoa se vê como incapaz, se questionando ‘por que todo mundo consegue e eu não?’. Isso acaba, inclusive, sendo um fator de risco para transtornos mentais, como a depressão”, alerta o presidente da Abeso.

A endocrinologista Maria Edna de Melo, chefe da Liga de Obesidade Infantil do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), destaca que a perpetuação de discursos equivocados sobre a obesidade pode até colaborar para que a doença progrida. Isso porque as pessoas ficam mais suscetíveis a estresse, depressão e, consequentemente, a quadros de compulsão alimentar. “Quando estamos estressados, nossa biologia nos induz ao consumo de alimentos mais palatáveis, que geralmente têm mais açúcar, gordura e/ou sal, resultando no hiperconsumo de calorias, o que agrava o quadro de obesidade”, destaca Melo.

Outro ponto importante é que esses indivíduos também podem se sentir desencorajados a buscar ajuda profissional, acreditando que resolver o problema é uma questão simples e individual e dispensando tratamentos como medicação, cirurgia ou suporte nutricional. “Isso é especialmente prejudicial para aqueles mais gravemente afetados pela obesidade, que enfrentam maior estigma e preconceito, situações ainda mais prejudiciais durante a infância e adolescência”, ressalta a endocrinologista.

As consequências também se refletem na formulação de políticas de saúde, já que há um desconhecimento sobre a condição entre profissionais e gestores da área. “Isso mostra que nós temos, antes de tudo, que melhorar a capacitação. Antes de falarmos sobre epidemiologia, como controle e prevenção, precisamos discutir sobre os aspectos biológicos da doença e como eles exigem que cada paciente possua um tratamento personalizado”, recomenda a médica da USP.

Na visão de Halpern, associar a obesidade apenas a escolhas individuais também funciona como uma desculpa conveniente para a falta de formulação de políticas públicas eficazes. “Ao atribuir a doença exclusivamente às decisões pessoais, fica subentendido, tanto para o sistema quanto para a sociedade e as indústrias, que não é necessário estabelecer políticas de prevenção e tratamento; afinal, basta que cada um faça a sua parte”, avalia. “Justamente por isso, inverter essa conversa é importante, porque do jeito que está, é conveniente para a inação.”

Fonte: Agência Einstein

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Saúde

Especialistas buscam nova forma de diagnosticar obesidade além do IMC

O argumento é de que o Índice de Massa Corporal seria insuficiente para identificar quem tem riscos associados ao excesso de peso

 

Por Gabriela Cupani, da Agência Einstein

Um grupo de cientistas vem defendendo que o diagnóstico da obesidade não pode se basear apenas no Índice de Massa Corporal (IMC), como tem sido feito há décadas. O assunto foi tema de debate no último Congresso Internacional de Obesidade, que aconteceu em junho, em São Paulo, e levou em conta questões de um documento prestes a ser publicado na revista científica The Lancet.

A obesidade é uma doença crônica que aumenta o risco de vários outros problemas. Atualmente, a fórmula usada para diagnosticá-la usa um cálculo baseado na relação entre peso e altura, cujo resultado dá o IMC. Valores entre 18,5 e 24,9 indicam peso normal, entre 25 e 29,9 é considerado sobrepeso e acima de 30, obesidade.

O que muitos especialistas vêm contestando é que esse índice não distingue entre massa muscular e gordura, nem considera a distribuição de gordura corporal, fatores importantes para determinar o risco de diversas condições perigosas para a saúde.

“Há um consenso de que não podemos nos basear apenas no IMC porque há pessoas com mesmo peso e altura que possuem riscos completamente diferentes em função, por exemplo, da distribuição de gordura, se ela está depositada mais na barriga ou nas pernas e no quadril”, explica o endocrinologista Bruno Halpern, presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso), organizadora do congresso junto à Federação Mundial de Obesidade.

Outros fazem coro a essa visão. “O índice também não distingue quem tem mais massa magra ou maior porcentagem de gordura, assim uma pessoa muito musculosa pode ter um IMC alto e não ser obesa”, observa o endocrinologista Paulo Rosenbaum, do Hospital Israelita Albert Einstein. “Também não difere etnia, raça nem idade, quando se sabe que pessoas mais velhas têm menos massa muscular”, completa.

No entanto, ainda não há acordo sobre como diferenciar essas situações. O novo documento quer reavaliar quem tem obesidade clínica e pré-clínica, e propõe uma definição baseada em sinais e sintomas, como alterações metabólicas, o que ajudaria a identificar quem precisa de tratamento. Nesse cenário, pessoas com IMC alto, mas sem grandes acometimentos que coloquem a saúde em risco, não teriam obesidade clínica e, portanto, não precisariam ser tratadas.

A Associação Europeia para o Estudo da Obesidade lançou, no último dia 5 de julho, um consenso que amplia o conceito de obesidade, levando também em conta o aumento da circunferência abdominal e complicações associadas ao excesso de peso, mesmo que o IMC acuse apenas sobrepeso. Para Halpern, isso pode gerar outro problema: aumentar o número de pessoas consideradas com obesidade no mundo.

No Brasil, a Abeso e a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem) propõem avaliar o indivíduo também pela trajetória de peso, sugerindo os termos “obesidade controlada ou reduzida” conforme o percentual de peso perdido — algo entre 5% e 15%. “Uma perda de peso de 5% a 10% já melhora muito a qualidade de vida do paciente e reduz fatores de risco”, pontua Rosenbaum.

“Nosso objetivo é colocar um alvo, manter o que o paciente já perdeu, além de evitar que ele fique decepcionado”, afirma o médico do Einstein. Halpern completa: “Se a pessoa já perdeu muito peso no passado e melhorou sua saúde e qualidade de vida, o objetivo não é perder mais, mas manter o peso.”

Fonte: Agência Einstein

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Saúde

Crianças brasileiras estão mais altas e mais obesas, revela estudo

© Conselho Federal de Nutricionistas/Direitos Reservados

Obesidade infantil é preocupante, diz responsável pela pesquisa

Por Mariana Tokarnia – Repórter da Agência Brasil – Rio de Janeiro

As crianças brasileiras estão mais altas e mais obesas. É o que mostra estudo conduzido por pesquisadores do Centro de Integração de Dados e Conhecimento para Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Cidacs/Fiocruz Bahia), em colaboração com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a University College London.

Os resultados do estudo indicaram que, entre 2001 e 2014, a estatura infantil, em média, aumentou 1 centímetro. A prevalência de excesso de peso e obesidade também teve aumento considerável entre os dados analisados. A prevalência de obesidade entre os grupos analisados subiu até cerca de 3%.

A pesquisa foi publicada na revista The Lancet Regional Health – America e baseou-se na observação das medidas de mais de 5 milhões de crianças brasileiras. Segundo os pesquisadores, tais resultados indicam que o Brasil, assim como os demais países em todo o mundo, está longe de atingir a meta da Organização Mundial da Saúde (OMS) de deter o aumento da prevalência da obesidade até 2030.

De acordo com a pesquisadora associada ao Cidacs/Fiocruz Bahia e líder da investigação, Carolina Vieira, a obesidade infantil é preocupante. O Ministério da Saúde explica que tanto o sobrepeso quanto a obesidade referem-se ao acúmulo excessivo de gordura corporal. A obesidade é fator de risco para enfermidades como doenças cardiovasculares, diabetes, hipertensão e alguns tipos de câncer.

“Tem estudos que indicam que a criança que vive com obesidade aumenta a chance de persistir com essa doença durante todo o ciclo da vida dela”, diz Carolina. “Em termos de saúde pública,  pensamos que a carga dessas doenças crônicas não transmissíveis e os custos associados à obesidade aumentam ao longo do tempo. Então, é necessária uma ação efetiva e coordenada, porque senão as repercussões dessa doença para a saúde pública nos próximos anos serão bem alarmantes.”

Pesquisa

O estudo analisou dados de 5.750.214 crianças, de 3 a 10 anos, que constam em três sistemas administrativos: o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), o Sistema de Informação de Nascidos Vivos (Sinasc) e o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan). Isso possibilitou uma análise longitudinal, ou seja, ao longo da vida de cada uma das crianças, por meio de informações coletados ao longo dos anos.

Os dados analisados foram divididos em dois grupos: nascidos de 2001 a 2007 e nascidos de 2008 a 2014. Foram levadas em conta também as diferenças entre os sexos declarados. Com isso, estimou-se uma trajetória média de índice de massa corporal (IMC) – indicador usado para determinar o peso ideal e variações que indicam magreza, sobrepeso ou obesidade – e altura para as meninas, e outra para os meninos.

Na comparação entre os dois grupos, ou seja, dos nascidos até 2007 e dos nascidos até 2014, considerados aqueles com idades de 5 a 10 anos, a prevalência de excesso de peso aumentou 3,2% entre os meninos e 2,7% entre as meninas. No caso da obesidade, a prevalência entre os meninos passou de 11,1% no primeiro grupo (nascidos até 2007) para 13,8% no segundo grupo (nascidos até 2014) o que significa aumento de 2,7%. Entre as meninas, a taxa passou de 9,1% para 11,2%, aumento de 2,1%.

Na faixa etária de 3 e 4 anos, o aumento foi menor na comparação entre os dois grupos. Quanto ao excesso de peso, houve alta de 0,9% entre os meninos e de 0,8% entre as meninas. Em termos de obesidade, a prevalência passou de 4% para 4,5% entre os meninos e de 3,6% para 3,9% entre as meninas, ou seja, houve crescimento de 0,5% e 0,3%, respectivamente.

O estudo constatou ainda o aumento na trajetória média de altura do grupo de nascidos entre 2008 e 2014 de aproximadamente 1 centímetro em ambos os sexos. De acordo com Carolina Vieira, tal crescimento reflete a melhoria nas condições de vida e de saúde.

“Os estudos demonstram que ter mais altura tem sido associado a alguns desfechos positivos na saúde, como menor probabilidade de doenças cardíacas e derrames e mais longevidade. Mas a altura do indivíduo, a altura da criança, reflete muito o desenvolvimento econômico, a melhoria das condições de vida. Maior escolaridade materna, mais pessoas vivendo na área urbana, são alguns dos exemplos de melhoria dessas condições no Brasil nos últimos anos”, diz a pesquisadora.

Má nutrição

Além do aumento da obesidade, o Brasil enfrenta a fome. Estudo do Instituto Fome Zero revela que o número de pessoas em situação de insegurança alimentar grave no Brasil chegou a 20 milhões no quarto trimestre do ano passado.

Apesar de estar aumentando a prevalência da obesidade, o Brasil hoje vive a dupla carga de má nutrição: prevalência de crianças desnutridas e de crianças com obesidade. “É preciso olhar realmente para esses dois extremos – da desnutrição e da obesidade – ocorrendo simultaneamente”, destaca Carolina Vieira.

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Saúde

Fapesp: combate à obesidade vai muito além da luta individual para mudar estilo de vida

Aumento não é explicado apenas por fatores genéticos ou escolhas individuais, mas por combinação de fatores estruturais e contextuais

Fonte: Portal do Governo de SP 
O estudo elenca fatores como: ambiente físico, exposição alimentar, interesses econômicos e políticos

Remédios para o tratamento da obesidade, como o Ozempic, foram considerados os principais avanços científicos de 2023 pela revista Science. No entanto, as taxas de sobrepeso vêm crescendo em todo o mundo, com destaque para a América Latina. Estimativas de 2020 indicavam que 14% da população mundial vivia com obesidade. A previsão é que, em 2035, esse índice seja de 24%, incluindo crianças, adolescentes e adultos.

“É importante encontrar estratégias nutricionais e farmacológicas para mitigar o problema, mas será que isso é o suficiente? Sabemos que o impacto de fatores socioeconômicos e ambientais se sobrepõe a quaisquer outros que influenciam a ocorrência da obesidade, incluindo componentes genéticos ou tentativas de imputar ao indivíduo a culpa de ser obeso. O fato é que a obesidade vai muito além da luta individual contra o sedentarismo e por mudanças no estilo de vida”, afirma Marcelo Mori, integrante do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da Fapesp sediado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Mori é um dos autores de um artigo publicado na segunda-feira (4) na revista Nature Metabolism, que aponta a necessidade das iniciativas destinadas a compreender a obesidade e envolverem abordagens multidisciplinares e globais. No trabalho, pesquisadores da Unicamp, Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Nacional Autónoma de México (Unam) elencam oito determinantes principais – ambiente físico, exposição alimentar, interesses econômicos e políticos, iniquidade social, limitação do acesso ao conhecimento científico, cultura, comportamento contextual e genética – para explicar o crescimento da obesidade na América Latina e para orientar a construção de políticas e estratégias públicas mais eficazes.

“Elencamos aspectos cujos efeitos no ganho de peso se sobrepõem, ressaltando a ideia de olhar para o problema com mais cuidado e de forma mais ampla, interferindo na questão a partir de soluções mais contextualizadas. São mudanças no estilo de vida? São, mas elas precisam ser especialmente baseadas em alterações na comunidade e no ambiente, não atribuindo exclusivamente ao indivíduo tal obrigação”, diz. “Há diferenças regionais relacionadas com questões socioeconômicas e culturais que podem impactar na epidemia da obesidade e isso faz com que não exista uma solução única para o problema”, completa o pesquisador.

No trabalho, os pesquisadores destacam que, em décadas passadas, foram registradas taxas mais elevadas de obesidade em crianças e adultos de países desenvolvidos em comparação com países em desenvolvimento. No entanto, ao comparar as tendências mais recentes na prevalência da obesidade, os dados têm mostrado de forma consistente aumentos mais acentuados nos países em desenvolvimento.

De acordo com dados de pesquisas nacionais, uma grande proporção da população latino-americana tem sobrepeso ou obesidade: 75% dos adultos no México, 74% no Chile, 68% na Argentina, 57% na Colômbia e 55% no Brasil. Entre crianças e adolescentes, as taxas de sobrepeso e obesidade também são altas: 53% (Chile), 41% (Argentina), 39% (México), 30% (Brasil) e 22% (Colômbia).

Para os pesquisadores, o aumento acentuado não pode ser explicado simplesmente por fatores genéticos ou escolhas individuais, mas sim por uma combinação de fatores estruturais e de contexto, que no artigo os pesquisadores denominam como determinantes sistêmicos.

O artigo propõe outra perspectiva para a problemática da obesidade na América Latina. Mori lembra que diversos estudos, principalmente em modelos animais, já demonstraram que tanto a carência quanto o excesso de ingestão alimentar pelos pais, sobretudo durante a gestação, podem resultar em alterações na prole que predispõem a doenças metabólicas na fase adulta.

“Os países de renda média e baixa, como é o caso da maioria dos países da América Latina, em menos de 50 anos saíram de uma realidade com altas taxas de desnutrição para um crescimento acelerado da obesidade. Portanto, é possível que essa rápida transição da carência alimentar e desnutrição para a abundância de alimentos ultraprocessados e hipercalóricos seja um aspecto relevante na indução de uma herança epigenética, contribuindo para as altas taxas recentes de obesidade, sobretudo em crianças. É algo que precisa ser mais investigado na obesidade humana”, avalia.

Com isso, de acordo com os pesquisadores, ganham luz caminhos preventivos e terapêuticos contra a obesidade que têm como base ações coletivas. “Uma solução que indicamos no artigo é o incentivo a políticas que facilitem a alimentação tradicional e regulem os alimentos ultraprocessados – que têm maior densidade calórica e são menos nutritivos. Isso deve estar associado a incentivos para a prática de atividades físicas, à promoção de hábitos saudáveis e de alimentação adequada nas escolas. Ainda, é preciso motivar gestantes a adotar dieta de qualidade, ao aleitamento materno e a oferecer alimentos saudáveis desde a primeira infância. Propomos que o foco precisa ser nas mulheres e nas crianças, que podem ser mais passíveis de mudanças e entre as quais a obesidade mais cresce na América Latina”, diz.

Outro aspecto destacado pelos pesquisadores é o impacto do acesso limitado ao conhecimento científico como um dos determinantes da obesidade. “Além de um maior acesso ao conhecimento científico e a questões relacionadas à ciência aberta, destacamos que o investimento e a quantidade de pesquisa sobre obesidade que se faz na América Latina são muito pequenos proporcionalmente ao número de pessoas com obesidade. Temos estudos relevantes aqui conduzidos, mas precisamos de mais e que sejam mais difundidos”, aponta.

Na avaliação de Mori, a produção científica da América Latina na área de obesidade precisa ser mais representativa, sobretudo em estudos genéticos e sociais. “A maior parte desses estudos é feita em países do Norte Global. Enquanto for essa a realidade dos dados que dispomos sobre obesidade, vamos continuar tendo uma lacuna de conhecimento sobre como mitigar a obesidade na nossa região”, afirma.

“Dessa forma, compramos dos países desenvolvidos tanto o problema quanto a potencial solução. Porque, além de copiarmos hábitos de vida e adquirirmos as fórmulas propostas por esses países, nós também pagamos por alimentos que nos colocam nessa situação e por remédios que, por enquanto, atingem apenas uma pequena parcela da população. Enfim, estamos pagando duas vezes e ainda perdendo a luta contra a epidemia da obesidade”, o pesquisador conclui.

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Saúde

Fapesp: tratamento reduz risco de inflamações e doenças em adolescentes com obesidade

Pesquisa da Unifesp envolveu 22 adolescentes com obesidade

Abordagem interdisciplinar testada na Unifesp combina tratamento clínico, nutricional, psicológico e atividade física

Fonte: Portal do Governo de SP
Após um ano de tratamento multidisciplinar envolvendo aconselhamento clínico, nutricional, psicológico e exercício físico, um grupo de 22 adolescentes com obesidade não apenas perdeu peso como viu diminuir em seu exame de sangue a concentração de mediadores de inflamação e de doenças cardiovasculares. Essas duas conquistas se traduziram na redução da resistência à insulina (e, portanto, do risco de diabetes), da gordura visceral e em um melhor controle do balanço energético (relação entre ingestão e gasto calórico) – fatores que promovem melhora global da saúde e impedem o “efeito ioiô” das dietas.
Os resultados da pesquisa, financiada pela Fapesp, foram divulgados no International Journal of Environmental Research and Public Health.“Neste estudo, testamos um novo modelo de tratamento que não é tão intensivo quanto o original, já adotado em trabalhos anteriores do grupo e com eficácia comprovada. Isso é importante, pois, com menos frequência, o tratamento ganha em adesão dos adolescentes e fica mais barato para ser implementado no Sistema Único de Saúde”, conta Ana Raimunda Dâmaso, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).A diferença entre o modelo intensivo e o novo, proposto pelo artigo, está na redução do número de consultas e acompanhamentos. Antes os adolescentes tinham de ir à universidade três vezes por semana para praticar atividade física com o auxílio de um professor, enquanto no atual eles foram orientados a praticar os exercícios em casa.As orientações nutricionais em grupo, antes realizadas uma vez por semana, ocorreram quinzenalmente no modelo semi-intensivo. E as orientações nutricionais individuais foram abolidas, bem como as reuniões mensais com os pais ou outros responsáveis.

Em relação ao apoio psicológico, o modelo intensivo preconizava sessões em grupo e individuais – cada modalidade uma vez por semana. Já no semi-intensivo foram feitos apenas encontros quinzenais em grupo. O atendimento médico individual mensal foi mantido.

Segundo a pesquisadora, mesmo com um programa mais brando houve uma melhora significativa em relação a dois hormônios secretados pelo tecido adiposo: a leptina (fator-chave no controle do equilíbrio energético e de processos inflamatórios) e a adiponectina (que tem ação anti-inflamatória e protege a função pancreática).

“Adolescentes com obesidade grave geralmente apresentam estados de hiperleptinemia (produção excessiva de leptina) e, ao mesmo tempo, redução na secreção de adiponectina. Essa combinação acentua o estado pró-inflamatório e o risco cardiometabólico”, explica Dâmaso.

A terapia semi-intensiva conseguiu reverter esse quadro. A prevalência de adolescentes com hiperleptinemia caiu de 77,3% para 36,4%. Em um estudo anterior do grupo, em que foi usado o modelo intensivo de tratamento, a leptina dos adolescentes com obesidade havia passado de 75% para 55%.

“Em relação à hiperleptinemia, portanto, os resultados foram até melhores no modelo semi-intensivo”, afirma Dâmaso.

Redução do risco

A obesidade tem sido caracterizada por especialistas como uma doença inflamatória crônica. Quando tem início na adolescência o impacto negativo ao longo da vida é ainda maior, pois a inflamação constante atua por mais tempo no organismo.

No artigo, os pesquisadores ressaltam que uma das implicações mais preocupantes da obesidade na adolescência é a associação entre o excesso de tecido adiposo e o aumento no risco de desenvolvimento de doenças metabólicas e cardiovasculares durante a adolescência e na idade adulta, o que piora substancialmente a qualidade de vida dos indivíduos.

“Quanto mais tempo uma pessoa permanecer com a obesidade grave durante a sua vida, maior é a chance de morte prematura. O adolescente com obesidade extrema está com toda uma máquina alterada e uma das principais ferramentas para reverter esse quadro, descobrimos, é colocar a leptina para funcionar de novo”, sublinha Dâmaso à Agência Fapesp.

E a pesquisadora acrescenta: “É preciso desinflamar todo o sistema, reduzir estados de hiperleptinemia, o colesterol, melhorar a pressão arterial, diminuir a resistência insulínica para evitar o diabetes e reduzir gordura visceral, além de outros biomarcadores de inflamação, evitando-se o risco cardiometabólico. O controle da obesidade em adolescentes pode ainda melhorar a apneia do sono e reduzir transtornos do comportamento, como ansiedade, depressão e bulimia, como observamos previamente em outros estudos”.

Trabalhos anteriores mostraram que uma alta concentração de leptina na obesidade está associada ao aumento dos riscos cardiovasculares, distúrbios comportamentais relacionados à ingestão de alimentos, inflamação e alterações na regulação neuroendócrina do balanço energético, com consequente prejuízo à perda de peso corporal.

“Entre os adolescentes que participaram do estudo, 77,3% apresentavam hiperlipidemia (altos níveis de gordura no sangue). Portanto, eles já estavam com alterações metabólicas e pró-inflamatórias instaladas. Conseguimos revertê-las e trazer o balanço energético para uma condição de normalidade”, conta Deborah Cristina Landi Masquio, pesquisadora do Grupo de Estudos da Obesidade (GEO) da Unifesp. O trabalho é fruto de sua tese de doutorado.

“O equilíbrio entre os níveis de leptina e de adiponectina reduz o processo inflamatório característico da obesidade e diminui o risco de várias doenças relacionadas. Tudo isso está vinculado à redução da resistência insulínica. No estudo, 81,8% dos adolescentes tinham resistência à insulina e, no fim do tratamento, esse índice caiu para 50%”, comemora Masquio.

Os resultados mostraram ainda a redução de dois biomarcadores de risco cardiovascular importantes (PAI-1 e ICAM-1). O PAI-1 é considerado um importante inibidor do sistema fibrinolítico (que regula a coagulação do sangue), portanto, sua concentração elevada pode levar a um estado pró-trombótico que contribui para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares. Já o biomarcador ICAM-1 é uma glicoproteína associada ao processo de aterosclerose.

“Em adolescentes com diabetes, os níveis de PAI-1 estão correlacionados com aumento de glicemia, triglicerídeos, colesterol total e espessura da veia carótida”, diz Dâmaso.

A intervenção interdisciplinar promoveu ainda redução da circunferência da cintura e da gordura visceral dos adolescentes. “Esse é um desfecho importante, pois a adiposidade abdominal está intimamente relacionada às comorbidades da obesidade, como alterações metabólicas e inflamação”, afirma Dâmaso.

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