Opnião
Refugiados e riqueza cultural
Estamos todos no mesmo barco. Essa é a primeira vez na história em que o mundo é realmente um único país, disse certa vez o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, morto na última segunda-feira, 09/01, aos 91 anos.
Bauman sabia do que estava falando. Autor da expressão “modernidade líquida”, segundo a qual as mudanças tecnológicas e sociais aprofundaram a mobilidade e a individualidade, criando relações sociais, políticas e afetivas cada vez mais efêmeras e menos sólidas (“líquidas”, portanto), o pensador dizia estar ciente de que, nesta nova realidade, todos dependemos uns dos outros. Segundo ele, o que acontece na Malásia, quer você saiba ou não, sinta ou não, tem tremenda importância nas perspectivas de vida dos jovens em São Paulo.
Quando acompanhamos as notícias sobre crises, conflitos e tragédias humanitárias, costumamos calcular nossa sensibilidade a partir de quilômetros. É um erro: como ensinou Bauman, o mundo hoje está conectado e os eventos nos afetam de uma forma ou de outra, embora nossa ideia de laços humanos seja diferente do conceito de “rede”.
O desafio não é criar conexões e compartilhar informação, mas reinventar as relações humanas a partir da velha noção de humanidade e solidariedade.
Tudo isso parece pouco palpável mesmo para quem acompanha, e sente, o noticiário sobre o Oriente Médio e sobre a hostilidade, misto de ignorância e desconhecimento, da Europa em relação aos refugiados, resultado de uma guerra que as grandes potências ajudaram a alimentar. Até que um dia encontramos aqui mesmo, perto de nossas casas, pessoas que saíram daquela realidade e buscaram abrigo em nossa cidade.
Foi assim que, dias atrás, conheci, na Rua Minas Gerais, número 74, o Restaurante Árabe, montado recentemente por uma família que veio para cá após o início da guerra na Síria. O encontro cultural é notável: o jeito (caloroso) com que eles me recepcionaram, o desenho nas paredes, as fontes de água para simbolizar a renovação da vida, o cheio e o gosto suave do café feito na hora, a forma como degustar o chá, e até o tamanho da nossa esfiha, grande para os padrões locais.
Nada, porém, se compara à experiência de fazer novos amigos, conhecer novas culturais e tentar encontrar um denominador comum a partir de uma nova linguagem.
Há, neste esforço, uma comunicação universal que transcende qualquer idioma. O nome disso é acolhimento. É amizade. É vontade de fazer desta nossa cidade um lar e daquele novo trabalho, uma forma de integração. Que Valinhos saiba acolhê-los como soube fazer como os imigrantes italianos de décadas anteriores. Nossos novos vizinhos, vindos de uma realidade tão dura, estão com os braços estendidos para a amizade.
Matheus Pichonelli, blogueiro do Yahoo, colunista do site de Carta Capital e assessor de imprensa do Instituto CPFL