Opnião

Rebeliões e os ‘direitos dos manos’

por Ricardo Sayeg

Há dois pontos que inter-relacionam e diferenciam o caso do Carandiru, de 1992, dos casos recentes do Compaj (AM), Monte Cristo (RR) e Alcaçuz (RN): a ação policial de um lado; e os assassinatos com decapitações e esquartejamentos do outro.

De fato, foi abominável o ocorrido nas penitenciárias de Norte e Nordeste. No primeiro caso, no Amazonas, a Polícia Militar não entrou para debelar a rebelião, porque, justificadamente, quis evitar um “Carandiru 2”. A PM do Amazonas não se acovardou, porém se intimidou; e a barbárie correu solta, livre e louca, como se fosse o próprio inferno sob o reinado de Lúcifer, manifestado por meio de grupos do crime organizado.

Intimidou-se com razão, nada dela se podendo cobrar. É que, sem individualizar as condutas, os PMs que participaram do inadmissível “massacre do Carandiru” foram ilegalmente condenados a penas que superam 600 anos de prisão.

O desembargador relator do Tribunal de Justiça de São Paulo que, em grau recursal, absolveu no caso do “massacre do Carandiru” os PMs por falta de individualização acabou processado no Conselho Nacional de Justiça.
A razão dessa maluquice é que banalizaram os direitos humanos, que correspondem aos sagrados direitos imanentes da pessoa humana à liberdade e à igualdade em dignidade, com especial atenção aos excluídos e vulneráveis.

O que, sem demérito aos sérios e indispensáveis militantes verdadeiros dos direitos humanos, é muito diferente da mentalidade fundamentalista e muitas vezes hipócrita e oportunista que sequestrou indevidamente bandeira tão preciosa.

Em favor de radicalismos ilegítimos de minorias, banalizaram-na e deturparam-na para calar e atacar pessoas de bem, esvaziar a polícia e tornar intocáveis os criminosos, terroristas e facínoras. Tal mentalidade acabou sendo socialmente rotulada de “direitos dos manos”.

Os PMs e o desembargador do caso do “massacre do Carandiru”, vítimas dos defensores dos “direitos dos manos”, acabaram pautando a conduta justificada da PM no “massacre do Amazonas”, que repercutiu em Roraima e Rio Grande do Norte. A selvageria prevaleceu com mortes cruéis, o que é definitivamente intolerável.

Liderei a Comissão de Direitos Humanos do Instituto dos Advogados de São Paulo que se debruçou sobre o caso do “massacre do Carandiru”. Concluímos que aquele episódio que envergonha nossa nação foi horripilante e inaceitável.

Todavia, também concluímos que a respectiva acusação criminal não autorizava condenação genérica dos PMs sem devida e constitucionalmente obrigatória individualização; simplesmente para saciar a sede de resposta, irracional e infantil dos defensores dos “direitos dos manos”.

Nessas circunstâncias, não somente as mães, mulheres e filhos dos assassinados estão chorando. Também estão desesperadas as dos quase um milhão de presos no país diante do fato de terem total certeza de que o sistema prisional não está sob reinado do Estado democrático de direito, mas sob reinado do mal. E nossos combatentes, a PM, mal remunerada e intimidada com razão, nada pode fazer sem o devido apoio institucional.
Reconhecida a existência da crise carcerária, tomara que o governo Temer adote uma política pública voltada a prestigiar a Polícia Militar, treinada para conter distúrbios sociais; pois as Forças Armadas, autorizadas pela Presidência a atuar nos presídios estaduais, são treinadas para a guerra e o extermínio.

RICARDO SAYEG, advogado, é professor livre-docente da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e presidente da Comissão de Direitos Humanos do Instituto dos Advogados de São Paulo

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