Opnião

Um conto palaciano

Era uma vez um indiano que ainda menino fora vendido como escravo a um mercador no antigo Egito. Além do trabalho escravo, o destino quis que o indiano fosse um grande confeccionista de pipas nas horas livres, trabalhando sempre à noite  à luz de candeeiros.  Como as suas pipas eram bastante coloridas e beirando à perfeição, pois alçavam voos com pouco vento e quando ventava forte elas não davam piruetas seguidas para os lados, todos os meninos queriam uma pipa dessas “virou desejo de consumo”.

O pequeno menino príncipe herdeiro da dinastia do faráo um dia olhou para céu, viu aquele festival de pipas lindas coloridas e descobriu que foram confeccionadas pelo menino escravo indiano. A partir daí o pequeno príncipe começou a visitar e a adquirir as pipas do menino indiano e com isso se tornaram grandes amigos. A amizade entre os dois agora jovens de mesma idade parecia de irmãos, sempre conversando, crescendo juntos, confidenciando segredos ou rindo às gargalhadas ecoando por todo o interior do palácio. Anos mais tarde esse príncipe tornou-se rei do Egito, e uma de suas primeiras medidas como faraó foi comprar a liberdade do escravo indiano a peso de ouro e levá-lo a morar nas dependências do luxuoso palácio.

A mando do faraó, o ex-escravo começou a desfrutar de todas as regalias da corte, mas desde então não conseguia mais dormir e reclamava muito do colchão da sua cama palaciana. Todos os dias no café da manhã o faraó via o seu grande amigo despertar sonolento por ter mal dormido durante a noite. O faraó então ordenou a confecção de novos colchões variando os materiais de seu enchimento, mas nada adiantava, no dia seguinte o magérrimo indiano levantava todo arcado com a sua coluna fora do lugar, e segundo ele era devido ao incomodo colchão. Nesse vai e vem de confecções de colchões quase que semanais, todos os colchoeiros da época que faziam colchões para as celebridades do palácio, já haviam tentado fazer um colchão que não doesse as costas do magro indiano, mas em vão nunca conseguiram. 

Até que um dia apareceu nos arredores do palácio um colchoeiro que tinha também a fama de ser sábio. Antes de fazer qualquer colchão conversava muito com o futuro usuário. Sendo assim marcaram a “entrevista” e no dia seguinte o indiano recebeu o colchoeiro em sua elegante alcova no palácio. Depois de conversarem muito o sábio colchoeiro desvendou o problema do indiano e lhe confeccionou uma cama inteira de “pregos”. A partir desse dia nunca mais o indiano que sem saber ser um faquir, reclamou do seu colchão.

Quando o rei soube do acontecido riu muito, mandou fazer também para ele uma cama de “prego” igual à do seu amigo indiano faquir, tentou inúmeras vezes deitar-se sobre a cama de “prego” mas não conseguiu. Após muitos anos o faquir já muito idoso veio a falecer antes do rei. Várias centenas de anos após, em uma dessas explorações em escavações no Egito foi encontrado um sarcófago de rei e junto ao seu corpo uma miniatura de uma cama de faquir, foi a homenagem que o rei prestou ao seu maior amigo indiano, mas para os arqueólogos ainda hoje pairam dúvidas a serem desvendadas sobre aquela miniatura de cama de faquir junto ao sarcófago do rei.       

Este conto desafia as nossas preferências e vontades, porque nesse mundo tudo é muito relativo. O indiano sem saber da sua origem de faquir, fez o impossível para se adequar ao novo estilo de vida de rico, dormindo nos melhores colchões que o rei pudesse pagar, mas não conseguia se adaptar e ser feliz. Precisou de um mago ajudá-lo a encontrar o verdadeiro conforto, quem diria nas pontas dos pregos. Às vezes precisamos de tão pouco para ser feliz e mergulhamos no sofisticado mundo da fantasia e do supérfluo. 

Com exceção aos contumazes amantes que no fundo devem ter consciência disso, será que algum de nós não é um faquir e esteve todos esses anos dormindo em cama errada

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