Opnião

Supremo X Musk: não confundamos alhos com bugalhos

Novamente, o Supremo Tribunal Federal (STF) se tornou o centro das discussões no Brasil. Outra vez, por conta de uma decisão proferida pelo ministro Alexandre de Moraes, que foi acompanhado à unanimidade pelos integrantes da 1ª Turma, a qual determinou a suspensão das atividades da plataforma X Brasil, do bilionário Elon Musk, por descumprimento reiterado de ordens emanadas pela Corte Superior.

O estopim para a suspensão foi o descumprimento das leis brasileiras que exigem que empresas estrangeiras tenham representante legal no país. Musk, recentemente, decidiu que o X não teria mais representantes no Brasil, o que afronta, dentre outras normas, os artigos 977, inciso VI, e 1138, ambos do Código Civil brasileiro. O empresário decidiu não cumprir as leis do Brasil para que suas empresas, em especial a plataforma X, pudessem atuar regularmente no país.

Consoante se extrai do artigo 997, inciso VI, do Código Civil, a sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará “as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições”. Por outro lado, o artigo 1138 estabelece que a “sociedade estrangeira autorizada a funcionar é obrigada a ter, permanentemente, representante no Brasil, com poderes para resolver quaisquer questões e receber citação judicial pela sociedade”.

Com efeito, não há dúvida de que a lei brasileira exige que uma sociedade estrangeira mantenha um representante no Brasil com poderes para resolver quaisquer questões, inclusive receber citações. No entanto, Musk deu de ombros para a legislação brasileira e para a ordem judicial do STF.

Qual seria a intenção de Musk em não ter mais representante legal no Brasil? Obviamente, ele objetiva não cumprir as regras previstas na Lei 12.965/2014 – Marco Civil da Internet –, que foi editada pelo Congresso Nacional com o escopo de estabelecer princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Como se sabe, o artigo 19 do referido Marco Civil da Internet estabelece a responsabilidade civil do provedor, quando instado judicialmente para coibir crimes praticados por terceiros, que não toma medida alguma para impedir ações ilícitas.

A decisão do STF determinou, com base no artigo 171, parágrafo 1º, da Lei 9472/97, a suspensão da atividade da Starlink, empresa da qual Musk é um dos acionistas, que comercializa acesso à internet por satélite. O referido artigo estabelece que: “O emprego de satélite estrangeiro somente será admitido quando sua contratação for feita com empresa constituída segundo as leis brasileiras e com sede e administração no País, na condição de representante legal do operador estrangeiro”.

O empresário, de fato, deixou de cumprir inúmeras determinações judiciais para retirar da sua plataforma páginas de usuários que faziam apologia ao golpe de Estado no Brasil. Objetivando permanecer sem cumprir as ordens judiciais, o empresário usou do subterfúgio rasteiro de retirar o representante legal do país.

O que Musk está fazendo é se colocar acima das leis do Brasil, em inequívoca afronta à soberania nacional. Não se pode confundir ofensa à liberdade de expressão ou censura com descumprimento das leis internas do país para regular atuação no Brasil.

Muitos desavisados, que ignoram as leis do país, bradam aos quatro cantos que o Supremo Tribunal Federal está a ofender a liberdade de expressão. Na verdade, o empresário bilionário, que também gosta dos holofotes da mídia mundial, quer liberdade para propalar desinformações e inverdades, sem correr o risco de sofrer as devidas consequências.

No entanto, em que pese a correção da decisão do Supremo Tribunal Federal em sua essência, a extensão dos efeitos sancionatórios aos terceiros que acessarem a plataforma X afigura-se exagerada. Punir os usuários pelo mero acesso, com a imposição de multa de R$ 50 mil, é um prato cheio para que os opositores da Corte digam que há censura e ofensa à liberdade de expressão.

Embora esse equívoco da decisão, que já foi alvo de recurso manejado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), não há como afastar a adequação da decisão do Supremo Tribunal Federal, uma vez que qualquer empresa que queira atuar no Brasil tem que seguir as leis do país. Nenhuma empresa está acima da soberania nacional. Não confundamos alhos com bugalhos.

*Marcelo Aith é advogado criminalista, mestre em Direito Penal pela PUC-SP, Latin Legum Magister (LL.M) em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa – IDP e especialista em Blanqueo de Capitales pela Universidade de Salamanca.

COMPARTILHE NAS REDES