Colunistas

O alto preço de permanecer na janelinha

Fique tranquilo (a), não se trata de mais um artigo sobre o caso do avião envolvendo Jeniffer Castro e a advogada que a filmou em seu momento de tranquilidade durante o voo da Gol, enquanto uma criança chorava querendo sentar em seu lugar, na janelinha.

Na verdade é a respeito deste episódio, mas não com a neura e a intensidade com que milhões de brasileiros levaram a baila, logo após o pouso do avião, a discussão do caso, tornando o que deveria ter sido uma situação restrita ao ambiente do avião, num debate nacional fútil.

O episódio – como tantos outros que já capturaram nossa atenção – foi deliberadamente manipulado pelos algoritmos das Redes Sociais– Facebook, Instagram, TikTok, entre outras – que, ao longo de uma semana retiveram nossa atenção. Não bastassem os algoritmos, entra em cena a mídia tradicional que vive a espera de uma pauta polêmica. E foi assim, que os programas matinais e dominicais ganharam nossa atenção na tela grande.

Na outra ponta estavam os influencers que captaram a mensagem e foram logo criando ‘vídeos’, ‘reels’, ‘stories’, ‘carrossel’ – buscando assim pegar carona na má intenção dos algoritmos – para que eles pudessem também sustentar (Ufaaaaaa, por mais um dia) o pico de audiência de seus perfis. Ainda apareceram alguns casais – infantilizados – que a reboque da onda, também queriam um quinhão da nossa atenção para seus vídeos infantis satirizando a situação. Fechando, com chave de ouro, aparece a Magazine Luiza, no fervor da discussão, aproveitando a crista da onda para surfar e assim vender um produto aqui e outro ali.

O episódio reforça o que a Oxford University Press anunciou na semana passada, que a palavra do ano (ou o termo) é “Brain Rot“, que, em tradução literal significa apodrecimento cerebral. O termo sintetiza bem o momento que o mundo vive, onde o consumo excessivo de conteúdos imediatos e muitas vezes irrelevantes podem impactar significativamente a cognição e o bem-estar psicológico dos indivíduos.

Mais ainda, reforça a tese que a maioria pouco se importa com temas importantes, pois não trazem o mesmo prazer imediato do que o episódio da ‘moça do avião’. Afinal de contas, muitos se colocaram no lugar dela, naquela janela. Só comparando, a mesma epifania não aconteceu com questões importantes como a fome no mundo ou a crise climática global, que estavam sendo debatidas durante a COP 20 que aconteceu aqui mesmo no Brasil há duas semanas.

Mais que isso, aponta para uma situação onde a maioria de nós – que vivemos ‘scrolando’ o Smartphone sem parar – não nos damos conta: nossa mente esta adoecendo. A vida moderna focada nas telas está nos levando à exaustão. Pior, com temas que nada agregam nem individualmente e nem coletivamente.

Há uma pressão social que está nos encapsulando num modelo maquiavélico que nos leva a acreditar que estamos bem informados.  Sendo assim, qualquer debate que afete ou se alinhe com meu ‘viés de confirmação’, estou dentro. Passamos o dia no trabalho diante de telas, seja do computador ou do celular e não conseguimos nos desconectar disso nem mesmo quando adentramos na proteção de nosso lar.

Na semana passada caímos na armadilha das Redes Sociais e pagamos um preço alto em termos de atenção/tempo, simplesmente por optarmos por ficar na ‘janelinha’. Não falo aqui da janelinha do avião da Gol. Falo daquela que temos na palma de nossas mãos e que nos dá acesso à outras ‘janelinhas ’ – Instagram, Facebook, WhatsApp, TikTok. Passamos horas e dias assistindo e alguns, debatendo, se Jeniffer tinha agido certo ou errado.

Nesse compasso, não demos conta que esse comportamento foi ditado por um algoritmo. Afinal, se dependesse apenas do perfil da Rede Social de onde partiu o vídeo do avião, o alcance orgânico seria pequeno. Ocorre que o nefasto algoritmo do TikTok e do Instagram, entenderam que aquele tipo de discurso iria viralizar, pois o brasileiro adora entrar numa ‘bola dividida’.

Brain Rot é um fenômeno que também evidencia a pressão social que vivemos. Estamos viciados em redes sociais e não percebemos que este tipo de comportamento, muitas vezes alimentado por algoritmos projetados para maximizar o tempo de tela, está controlando nossa atenção. Brain Rot, em síntese, é a deterioração mental ou intelectual causada pelo consumo excessivo de conteúdos superficiais e pouco desafiadores, principalmente os de redes sociais.

O prêmio Nobel de economia, o norte-americano Herbert Simon, em 1971, durante uma conferência cunhou um conceito que hoje está sendo revisitado: o conceito de Economia da Atenção que, segundo ele “uma era rica em informação provoca a escassez do que ela consome. E o que ela consome é óbvio, é a atenção de seus receptores”.

Lembre-se atenção é igual a tempo. Quanto mais tempo gastamos diante das telas vendo futilidades virtuais, estamos deixando de fazer o essencial: viver a vida real.

Todas as redes sociais e seus algozes algoritmos – controlados ao bel dos donos das Big Techs e da sanha de seus acionistas por lucro, estão comprometendo a vida e a convivência humana neste século XXI.

A falta de empatia de Jeniffer (não estou dizendo que ela agiu de maneira errada) nos leva a ponderar sobre a falta de empatia de modo geral em nosso comportamento cotidiano. É fato que muitas pessoas que adentram elevadores diariamente e, mesmo estando a centímetros de distância, são incapazes de um sorriso e de um bom dia! Andamos na rua hoje como se fossemos estrangeiros ou alienígenas – com ou sem fone de ouvido – evitamos o bom dia! Boa tarde! ou o boa noite!.

Atos de gentileza estão sumindo das nossas regras de convivência social. Vivemos, como se diz numa famosa música, “tô nem aí, tô nem aí”. Assumir erros então, passamos longe…. “me perdoe, errei com você”, “não foi essa minha intenção, me desculpe”.

Em que pese a imagem da criança não ter sido exposta no episódio, indiretamente ela e sua família foram atingidas e sua mãe passou pelo crivo da hipocrisia mediada pelas Redes Sociais. O mundo está virado aos avessos. Estamos legitimando e normalizando discurso de falta de empatia numa discussão que, no máximo poderia ser levada a cabo por conta do direito do consumidor ou uso indevido da imagem. Mas não, levamos a discussão ao seu momento de apogeu e exemplo de sucesso: Jeniffer ganhou 2,7 milhões de seguidores. Seguidores do quê e para quê? A moça pagou pelo acento e está coberta de razão em não ceder seu lugar. Ponto.

Atentemo-nos ao fato caso a mãe da criança, que viveu esse desconforto, tivesse adotado a pedagogia que muitos acham certa, dado uns tapas, um chocalhão, uns gritos de mãe para conter o ‘choro abusivo’ da criança. Qual seria a repercussão de um vídeo com esse conteúdo quando o avião pousasse? À luz da lei, ela poderia ser acusada de maus tratos; à luz dos defensores da pedagogia do ‘tapinha’, ela estaria correta; e um outro debate correria o Brasil de norte a sul ou não.

Somos vítimas e algozes desse novo tempo. Acordamos todos os dias e, antes mesmo de sairmos da cama ou de um bom dia carinhoso – nossa primeira preocupação é abrir o Smartphone e ‘scrolar’ a tela pra saber da nova treta que irá viralizar nas redes sociais e virar ‘trend top’ no Google Trends. Dependendo do tema, nos apresentamos com aquele humor ácido ou com aquela delicadeza áspera.

André Luis dos Reis é jornalista, Publisher da Folha de Valinhos, especialista em Gestão de Processos Comunicacionais, Gestão de Comunicação e Marketing e Gestão Cultural

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