Opnião

Liberando Locomotivas

O Sr. Jorge era um ferroviário muito competente, porém como estava velho e quase aposentado, a direção da empresa como praxe colocou um jovem estagiário para acompanhá-lo, com o objetivo claro de substituí-lo dalí há alguns meses. O local de trabalho do Sr. Jorge ficava na Ferroviária Central e nesse cargo ele não podia faltar, porque diariamente antes que qualquer locomotiva partisse dessa central, ela deveria ser vistoriada e liberada pelo  Sr. Jorge,  que era o único funcionário treinado para essa importante função.

O Sr. Jorge há muitos e muitos anos no cargo e na mesma companhia, nunca havia faltado e quando soube do jovem estagiário que iria acompanhá-lo, com o intuito de ser seu substituto começou a franzir a testa já com um ar nostálgico e de preocupação, de quem não queria abandonar esse importante serviço e salário.  

O serviço do Sr. Jorge era pegar o martelo de aço e ir batendo em todas as rodas das locomotivas. Começava sempre pelo lado direito, dividia imaginariamente a roda em quatro pontos e batia nos quatro, um a um, sempre de cima para baixo no sentido horário. Jamais poderia esquecer-se de bater em um único ponto imaginário traçado nessas rodas, muito menos uma roda inteira. Às vezes dependendo do som diferente mais ou menos estridente captado em algum ponto de roda, ele repetia a operação em quantas vezes fossem necessárias, até que o som se enquadrasse nos parâmetros de padrão de normalidade do seu capacitado e confiável ouvido, nesse caso finalizava dizendo conformado: “agora sim está perdoada”.

Não demorou e no dia agendado chegou o não tão esperado estagiário, começou a todo vapor como se diziam por lá e colou no Sr. Jorge, parecia um carrapato, não largava do homem um minuto, tudo o que o Sr. Jorge fazia ou falava ele anotava, até a parte dos espirros. Chegando à operação mais importante aquela do martelo de aço, o Sr. Jorge começou pelo lado direito como de costume e foi explicando sem muita pressa a complexidade técnica das marteladas, dos sons extraídos se eram estridentes ou não, mas destacou com prudência: “faça tudo devagar, bem devagar nada de correr” dizia, mesmo sabendo que aquela locomotiva já estava bastante atrasada, em relação ao horário.

Em dado momento o estagiário não se conteve e resolveu perguntar:

– Sr. Jorge: Porque é que o Sr. dá todas essas marteladas nessas rodas das locomotivas?

O Sr. Jorge parou, pensou um pouco, pigarreou e respondeu com toda sinceridade:

– Ora meu rapaz, faz trinta e oito anos que faço isso sem saber por que, e você  já quer saber no primeiro dia?  
 

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