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Caso do fenol reascende disputa entre médicos e farmacêuticos sobre procedimentos estéticos

*Claudia de Lucca Mano

A recente morte do jovem Henrique da Silva Chagas, de 27 anos, durante um procedimento de peeling de fenol em uma clínica na capital de São Paulo, reacendeu uma antiga disputa entre os conselhos profissionais de medicina e farmácia.

Desde a publicação da primeira resolução que regula a atuação de farmacêuticos na estética (CFF 573/13), o Conselho de Medicina tem impetrado diversas medidas judiciais para impedir essa prática. Em 2018, a Justiça Federal de Brasília deu uma decisão favorável aos médicos, entendendo que a Lei do Ato Médico resguarda a exclusividade na realização de procedimentos invasivos para esses profissionais. Em resposta, o Conselho de Farmácia editou uma nova norma em 2018 (CFF 669/2018), que também foi suspensa por decisão judicial.

Para os farmacêuticos, estão vigentes as Resoluções CFF 616/15 e 645/15, que incluem peelings químicos, enzimáticos e biológicos no rol de atos autorizados para farmacêuticos estetas, desde que o profissional comprove habilitação em cursos livres ou de pós-graduação reconhecidos, anotados no prontuário do profissional junto ao conselho regional, com no mínimo 360 horas de duração.

Em novembro de 2023, um novo pedido de liminar foi negado ao Conselho de Medicina, que atacava as resoluções de 2015 e 2017. Assim, a decisão mais recente reconhece o direito do Conselho de Farmácia de definir a atuação do farmacêutico na saúde estética, com o juiz entendendo que os procedimentos atualmente englobados não são de natureza invasiva.

Desde a recente morte do jovem, o Conselho de Medicina e Sociedades Médicas têm declarado publicamente que consideram o peeling de fenol uma competência exclusiva dos médicos. Na última década, a ampliação do âmbito de atuação dos farmacêuticos foi um dos objetivos do Conselho Federal de Farmácia, não só na saúde estética, mas também na prescrição farmacêutica de medicamentos, tricologia e realização de exames laboratoriais, por exemplo.

Em outro caso, em Curitiba, uma senhora de 64 anos teve queimaduras graves por peeling de fenol realizado em 25 de maio. A profissional que realizou o procedimento se declarava falsamente biomédica, segundo a polícia. Produtos preparados em uma farmácia de manipulação de São Paulo foram apreendidos na clínica do Paraná pela vigilância sanitária.

Os biomédicos também possuem uma Resolução – 241/14 do CFBM – que permite atuar na área estética, utilizando métodos invasivos não-cirúrgicos, como carboxiterapia, botox e preenchedores, além de outros procedimentos como laserterapia, luz intensa pulsada e peelings químicos e mecânicos.

Já os esteticistas não possuem regulamentação profissional clara, nem conselho próprio. Somente em 2018, a Lei 13.643 reconheceu a profissão de esteticista no país. Há uma mobilização para a criação de um conselho profissional específico da categoria. Por ora, é o Conselho de Biomedicina que encampa a profissão de esteticista. Assim, tais profissionais, muitas vezes formados em cursos livres, não têm habilitação para realizar procedimentos estéticos autorizados a outras profissões de saúde.

O exercício ilegal de medicina, farmácia ou odontologia é crime previsto no Código Penal Brasileiro, punível com detenção de seis meses a dois anos. Influenciadores digitais que falsamente declaram ser biomédicos, farmacêuticos ou médicos estão sujeitos a este enquadramento, além de outros como homicídio, lesão corporal e falsidade ideológica.

É importante pontuar que a dita invasividade médica é o critério chave para a discussão de âmbito profissional que alimenta essa polêmica há anos. A definição ficou de fora da Lei do Ato Médico (Lei 12.842/13), por veto da Presidenta Dilma Rousseff, porque dizia que até atos mais simples, como uma punção venosa, seriam privativos de médicos, englobando conceitos vagos, como a invasão da derme e epiderme.

Vale destacar que existem diversos graus de peelings químicos com fenol, que exigem diferentes cuidados para sua aplicação, já que necessitam de anestesia, o que em si já acrescenta risco ao paciente. Natália Becker, esteticista, influenciadora e dona da clínica onde o procedimento foi realizado em São Paulo, foi indiciada por homicídio doloso. Ela alega que fez um curso online com uma farmacêutica de Curitiba, Dra. Daniela Stuart, que foi ouvida pela polícia local. Stuart alega que Natália não concluiu o curso antes do procedimento que matou o paciente e que não seguiu o protocolo recomendado.

O Conselho Federal de Farmácia, em nota, reiterou que a atividade de peeling é permitida aos farmacêuticos, assim como ministrar cursos livres e orientativos. Cabe a cada profissional de saúde conhecer e respeitar os limites éticos da profissão, dados pelo conselho ao qual pertencem.

Com o crescimento da área estética no Brasil, se não houver cuidados apropriados, fiscalização e ética por parte dos profissionais, a tendência é vermos mais casos como este, reavivando a ideia de que apenas médicos podem realizar esses procedimentos, o que não procede, visto que já são realizados há anos por outros profissionais de saúde com respaldo das entidades de ética profissional.

*Claudia de Lucca Mano é advogada e consultora empresarial atuando desde 1999 na área de vigilância sanitária e assuntos regulatórios, fundadora da banca DLM e responsável pelo jurídico da associação Farmacann.

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