Colunistas
O que está acontecendo com parte da humanidade
Não quero generalizar, mas é difícil não questionar o comportamento de parte da humanidade. Estamos vivendo tempos conturbados, estranhos e obscuros. Comparando, mesmo que involuntariamente, a Idade Média foi um período de trevas marcado pela ignorância generalizada sobre a existência humana. Hoje, no século XXI, temos informações sobre tudo ao alcance de um toque em nossos smartphones. As pesquisas científicas avançaram, e muitas dúvidas foram esclarecidas. Ainda assim, essa parcela de ignorantes parece não compreender que o Planeta Terra, lar de todas as espécies – incluindo nós, humanos – está se esgotando, não pelos recursos que Deus nos legou em abundância, mas pela maneira irresponsável com que o tratamos.
Na semana passada, o estado de São Paulo enfrentou um drama causado por irresponsáveis que instituíram o “Dia do Fogo”, incendiando várias localidades em 46 cidades. Em plena estação de inverno, com estiagem e baixa umidade do ar, o cenário tornou-se propício para uma tragédia fora de controle. A coluna de fumaça formada pelos incêndios chegou até nossa região; Valinhos sentiu o impacto na sexta-feira, dia 26, quando o céu ficou esbranquiçado e avermelhado pelo pôr do sol, criando um cenário apocalíptico. A fumaça alcançou o centro-oeste do Brasil, somando-se aos incêndios no Pantanal e na Amazônia, compondo um verdadeiro desastre ambiental.
O fogo criminoso não devastou apenas a vegetação para abrir espaço para a agropecuária, mas também matou centenas de milhares de animais, destruindo os habitats daqueles que sobreviveram. Esse ato desprezível deveria ser considerado homicídio ou tentativa de homicídio, pois colocou em risco a vida de milhares de pessoas, especialmente aquelas com doenças respiratórias crônicas como DPOC e asma, que já sofrem durante o inverno seco e com a baixa umidade do ar. O que, por si só, já é suficiente para levar pacientes com essas condições ao serviço de emergência de um hospital e até mesmo à internação. Não precisamos de ações criminosas que agravem ainda mais as condições de saúde dessas pessoas.
Eu mesmo senti no pulmão o impacto da tragédia da última semana. DPOC e asma são doenças ingratas; não precisamos de gente estúpida colocando nossas vidas em risco desnecessariamente. Mais que isso, onde vamos parar se a humanidade não se conscientizar de que estamos em perigo? Não quero ser fatalista, mas os dias atuais falam por si. Quer você seja criacionista, acreditando que o Planeta Terra foi criado por Deus há milhares de anos, ou evolucionista, que segue a teoria da evolução de Darwin, vivemos em um mesmo habitat, e ele está em risco.
Na década de 1960, o cientista inglês James Lovelock propôs a Teoria de Gaia, pela qual sou apaixonado. Ele demonstrou que qualquer agressão feita ao planeta, em qualquer ponto, afeta o todo. Esta semana, a rede Observatório do Clima apresentou um estudo que indica que o Brasil precisa reduzir em 92% suas emissões de gases de efeito estufa até 2035, para limitar o aquecimento global a 1,5 graus Celsius, conforme estabelecido no Acordo de Paris.
Esse percentual é a contribuição da sociedade civil para a proposta de meta climática que será apresentada pelo Brasil durante a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), que ocorrerá em 2025, em Belém do Pará. Recentemente, tivemos eventos climáticos extremos, como o que devastou o Rio Grande do Sul, demonstrando a emergência climática que o Brasil e o mundo enfrentam. Em junho, a UNESCO divulgou informações científicas sobre o estado atual dos oceanos, revelando um processo avançado de aquecimento, acidificação e queda das taxas de oxigênio. O planeta está gritando por socorro.
Em pleno século XXI, a Teoria de Gaia está sendo validada porque a humanidade não entendeu o alerta. Governos – sejam federais, estaduais ou municipais, de esquerda ou direita – parecem despreocupados com o futuro das próximas gerações. É estranho refletir sobre um problema regional, que afetou cidades a mais de 300 quilômetros de distância, e perceber que parte da humanidade ignora os alertas científicos.
O ano de 2023 registrou recordes de temperatura nos oceanos, e cientistas alertam que 2024 pode ser o ano mais quente já registrado no planeta. Diante desses dados alarmantes, por que continuamos a encarar a exploração predatória de um bem que pertence a toda a humanidade como algo normal? É irracional aceitarmos passivamente essa situação. Enquanto isso, a internet e as redes sociais, que poderiam ser ferramentas para engajar e informar, estão consumindo o recurso mais precioso que temos: o tempo. Assim, permanecemos inertes, permitindo que tudo aconteça sob a complacência de quem governa e de quem é governado.
André Luis dos Reis é jornalista, publisher do jornal Folha de Valinhos, especialista em Gestão em Comunicação e Processos Comunicacionais, Gestão Cultural.