Opnião
“Você vê, mas não observa”
A frase clássica é do personagem Sherlock Holmes, o detetive mais famoso da literatura. Embora haja inúmeras reflexões possíveis sobre a afirmação, gostaria de atentar a sua aplicação para o nosso olhar sobre os produtos culturais e midiáticos que consumimos.
Acredito que haja a necessidade de exemplos: quem viu “Star Wars”, assume-se fã da saga e defende a volta de uma ditadura no país, certamente não viu Star Wars direito. A obra conta a história de um Império que domina a galáxia com medo, censura e violência. Lembremos que o imperador Palpatine, o grande antagonista dos filmes originais, deu um golpe na República para assumir o poder. A Rebelião e os derradeiros Jedi são a única esperança da galáxia, a resistência de uma geração inteira que no século XX viu diversas formas de governos ditatoriais, quer seja o fascismo italiano, nazismo alemão, stalinismo soviético ou as ditaduras militares da América do Sul. Não há como defender sistemas autoritários de Poder e gostar do universo da galáxia muito, muito distante.
Uma citação mais atual é o fenômeno literário e cinematográfico de “Harry Potter”. A resistência dos estudantes na “Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts” perante o Lorde das Trevas, Voldemort, demonstra a força e o poder que a Educação possui perante o obscurantismo e o preconceito -recordemos que o vilão queria subjugar o “mundo trouxa”, ou não-bruxo. A convivência em harmonia não era uma possibilidade para ele, o qual acreditava que deveria haver uma dominação dos bruxos para conosco, os “trouxas”, inferiores e medíocres. Além do valor educacional, a superioridade racial é também um tema a ser digerido na obra do bruxo inglês. Racistas não podem afirmar que, se fossem bruxos, estariam ao lado de Harry Potter na resistência contra Voldemort.
Outro exemplo, esse palpável aos dias pandêmicos e ao aquecimento global: Superman. Todos sabem que o personagem chega na Terra após ser enviado por seu pai, Jor-El, devido ao fim de seu planeta natal, Krypton. Jor-El –vivido nas telas por Marlon Brando, na primeira versão, e por Russell Crowe, na versão mais recente- era um importante cientista que após investigações, descobriu que Krypton iria entrar em colapso e explodir. Ele tentou avisar os dirigentes do planeta, que não deram ouvidos à sua ciência e explicações, sucumbindo-o ao seu fim. O negacionismo científico já havia sido representado nas histórias em quadrinhos bem antes do que vivemos hoje. Realidade, ou ficção?
Há tantas outras obras, com tantas outras reflexões críticas. O livro “1984”, de Orwell, e a crítica ao autoritarismo; “Senhor dos Anéis”, de Tolkien, e o valor da amizade e resiliência em tempos de crise, ainda que a esperança seja ínfima; entre tantos outros. O pensamento crítico necessita de esforço intelectual e bagagem cultural, muitas vezes, concomitantemente. Saber aplicar os ensinamentos dos grandes personagens e obras, quer seja da cultura pop, quer seja dos clássicos, reforça a sua autonomia perante os outros e lhe liberta de manipulações, fazendo você observar além de ver, como afirmaria Sherlock. Devemos, portanto, criar o hábito de pensarmos sobre aquilo que consumimos. Há muitos Darth Vader se achando Luke Skywalker.